quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Flor do cerrado

Desci do avião pensativo. Dez anos. Há mais ou menos dez anos que nos conhecemos. Lembrei vagamente daquela festa da faculdade, e tentei desenterrar como foi a primeira conversa que tivemos. Não lembrava. 

Há dez anos nos conhecemos. Há pelo menos uns dois não nos víamos... Há uns bons sete ou oito anos demos nosso último beijo. Quando foi? Também não lembro.

Nesse ínterim, vário desencontros, emails, cartas e mensagens ignoradas - dos dois lados. Por fim, anos depois, superamos as dificuldades momentâneas da vida e marcamos um encontro. Ela mora em Brasília, e eu, de passagem, resolvi esticar a viagem e encontrar o meu passado.

Sou ansioso. E acho que meio bipolar. Não, sou ansioso. Mas bipolar, não. Mentira, sou bipolar sim. Na verdade, não sou bipolar, mas talvez eu tenha meus momentos de bipolaridade. Mas ansioso, isso eu sou.

Desembarquei e avisei que cheguei, ela respondeu que me buscaria. Mandou esperar na parte do embarque. Pus-me embaixo de uma placa enorme com o número 5, tirei uma foto e mandei pra ela por mensagem. Pronto. Era só esperar, mas eu sou ansioso...

Ela avisa: em quinze minutos eu chego. Eu sou ansioso, e meio bipolar. Atravessei a rua e acendi um cigarro. E se ela não gostar de cheiro de cigarro? Estaríamos quites, já que eu também detesto. Só fumo quando estou muito ansioso (ou bipolar).

E se eu fosse embora? Virasse as costas e corresse pro balcão da Gol, antecipasse minha passagem e entrasse no primeiro voo com destino a SP? E se ela simplesmente fosse embora? Dissesse "Hey, estou chegando!" mas no meio do caminho mudasse de ideia - vai que ela também é bipolar - e tomasse outro rumo? Se ela me largasse ali, plantado, e simplesmente não atendesse minhas ligações nem respondesse minhas mensagens? O que eu faria?

Não sei. Terminei o cigarro. Olhei no relógio. Passaram cinco minutos. Pareciam cinquenta. Outro cigarro, outros cinco minutos. Saí dali, comprei um Trident e voltei a ficar plantado sob a placa de número cinco.

Ela chegou. Reconheci logo que vi o carro. Desceu, e me recebeu com um abraço e um sorriso. Senti-me bem. Era como se ela estivesse voltando de um cafezinho, como se a gente tivesse acabado de se ver. 

E foi isso. E foi um alívio danado vê-la ali, em carne e osso. Materializada na minha frente, e não mais aquela figura etérea e platônica das taças de vinho solitárias e poemas ressentidos.

Gosto dela. Acho que temos muitas coisas em comum. Não sei se já fomos apaixonados... Ficamos. Relembramos aqueles tempos de tanto tempo atrás. Não foi ruim, nem um pouco. Mas não foi aquela coisa avassaladora que um dia pensei que seria. Porque não existem paixões avassaladoras. Somos amigos. Ficamos. Talvez fiquemos de novo. Talvez sigamos sendo apenas amigos. Talvez ela não me procure mais. Talvez eu tenha um surto de bipolaridade, alterne a chavinha para o lado "B", e resolva ignorá-la. Tomara que não. Gosto dela. Mas sou meio bipolar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Carta aberta a uma pessoa vazia

"Na praça Clóvis
Minha carteira foi batida
Tinha vinte e cinco cruzeiros
E o teu retrato
vinte e cinco
Eu, francamente, achei barato
Pra me livrarem
Do meu atraso de vida" - Paulo Vanzolini

Querida,

eu poderia lhe enviar uma mensagem - direta e assinada, mas achei mais eficaz publicar este post - já que você lê tão frequentemente meu blog (sim, eu sei disso. Talvez seus amigos não sejam tão amigos quanto lhe parecem...).

É provável que neste momento haja em você um rompante de felicidade misturado com alívio. Certamente esse alívio é maior do que aquele que eu senti em janeiro deste mesmo ano, já que eu tinha plena segurança do desfecho que tive (enquanto você, tenho certeza, duvidou muito da sua sorte).

Eu sabia bem quais eram as minhas (poucas) chances de êxito quando pedi um julgamento antecipado. Sabia também que se não tivesse feito esse pedido, teria chances exponencialmente maiores de vencer, a cada novo ato daquele processo.

Só que não quis. Deliberadamente, optei por não ser obrigado a olhar para a sua cara cínica nunca mais nesta vida, ainda que soubesse que o meu asco naquele momento só não seria maior do que a sua agonia, ainda que soubesse o quão fácil seria provar em juízo que você é uma mentirosa arrogante.

Mas a sua lição já foi suficiente, e valeu cada centavo que paguei por ela. Seu breve período de agonia, e as noites de insônia proporcionadas pelo medo de perder aquilo que você mais preza nesta vida (dinheiro), para mim são mais que suficientes. 

A sua correria desesperada para tentar encontrar provas e argumentos que justifiquem o injustificável já me proporcionaram o suficiente prazer que eu queria. E que prazer! É pena que o processo digital ande tão rápido... Fosse nos velhos tempos de papel, teríamos aí pelo menos um aninho de agonia para a sua torpeza.

Eu não sou mesquinho como você. Não vou perder o precioso tempo da minha vida tentando "destruir" alguém cuja vida já é, por si só, insignificante - e aquilo que é insignificante não precisa ser destruído.

Sua mediocridade, sua frivolidade e a sua pequenez de espírito já são mais do que suficientes para "destruir" a sua vida sem sentido. Seu próprio rancor já lhe afogou, faz tempo, e nunca conseguiu me atingir. Por isso, não recorri! Have fun! 

O dinheiro que gastei foi completamente insignificante pra mim. Seja porque representa uma ínfima parte do que ganho (2,8% do meu último bônus, pra ser mais exato. Ou, 50% do que gastei em vinhos na minha última viagem, mês passado), seja porque eu não sou a ganância em forma de gente como você.

Já o dinheiro que você gastou... Esse lhe doeu! Cada centavo pago certamente foi uma fisgada no fígado. 

Caráter: ou se tem, ou não tem. Espero que você tenha aprendido a lição,

Ass. Bululu, que um dia foi muito trouxa, mas há tempos não é mais.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Adeus!

Maio lhe abraçou. Talvez você tivesse, lá no fundo, uma certa esperança de que setembro chegaria. Outro ciclo, outro aniversário. Talvez estivesse ali, por debaixo daquele corpo inerte que respirava e entendia o mundo sem poder se manifestar... Talvez ali você dissesse para si mesma: setembro vai chegar. Talvez ainda sonhasse com algum presente, será?

Ou talvez só estivesse esperando que aquele sofrimento chegasse ao fim. E chegou, junto com a vida. Maio lhe abraçou, forte, e levou pelos braços quem tantas vezes passou por ele correndo e feliz, saltitando de emoção enquanto setembro ia se aproximando.

E o alívio de ver pela última vez aquele rosto não franzido de agonia, mas sereno adormecido, surgiu em mim quase como culpa. Quase senti repulsa por me sentir aliviado com a morte. Mas não era descabido esse alívio, era justo. Era misericordioso...

O baque seco da primeira pá de terra sobre a madeira me fez entender pela primeira vez: era o fim. Aquele rosto agora estará apenas na lembrança... Nos sonhos e nas fotografias amareladas. Você se foi, com toda a sua candura, e todos aqueles anos sofridos carregados nas costas.


Nessas horas eu queria acreditar em deus. Achar que tudo faz sentido, e que tanto sofrimento em terra seria compensado pela alegria eterna no paraíso. Mas a única coisa que posso tirar disso tudo é: a vida acaba. É preciso vivê-la intensamente, em cada segundo, pois mais dia menos dia, vem um maio - ou setembro, ou dezembro - e nos abraça forte... Fecharemos os olhos e não ouviremos o baque seco da terra sobre a madeira que está acima de nós. Nem o choro dos que ficam, nem o riso dos que críamos que iriam nos receber. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Era tudo Sakê

- Às vezes eu custo a crer que eles não estão mais juntos.

- Ele diz que acabou porque tudo virou Sakê.

- Como assim?

- Quando se conheceram, acharam que era o paraíso. Ele achou que era o paraíso. Não, minto, ele não achou nada! Ele tinha um baita de um pé atrás. Não queria se entregar nem a pau - gato escaldado tem medo de água fria. Mas era tudo tão perfeito, que ele arqueou. Dobrou, cedeu, e pulou de cabeça. 

Daí foi aquela coisa, tudo se encaixava, tudo fazia sentido... Era a única pessoa que parecia curtir as mesmas maluquices que ele curtia. Era a única pessoa com quem conseguia sonhar viagens absurdas aos lugares mais inusitados, fazer planos mirabolantes, gostar de natureza, gostar do mesmo prédio velho cor-de-rosa e azul, andar de bicicleta, etc, etc., etc. 

Aí um dia mataram uma garrafa de Sakê num restaurante japonês, e foi sensacional. Conversaram por horas, riram, e foi a primeira vez que ele respirou fundo e pensou "é ela!".

Parecia aquele lance piegas de alma gêmea. Até as mesmas manias de adolescente eles tiveram quando eram adolescentes. E ela era apaixonada por Bossa Nova, MPB, curtia Chico Buarque, e bebia cerveja. E ele, era apaixonado por ela, por Bossa Nova, MPB, curtia Chico Buarque, e bebia cerveja. Acho que foi a única pessoa que ele conheceu que também amava a nona de Beethoven. As outras mulheres pra quem ele dizia isso, geralmente faziam cara de "credo, que nerd", querendo dizer "credo, que nojo!".

Às vezes, ele imaginava como seria delicioso morarem juntos. Ele chegando em casa do trabalho e preparando o jantar, enquanto abriam uma garrafa de vinho. Daí ela reclamaria do trabalho, ele reclamaria também, mas no terceiro gole de vinho eles esqueceriam que pudesse haver tristeza no mundo, e começariam a planejar as férias ou o próximo carnaval enquanto ouviam aquele CD ao vivo do Tom cantando Vinicius.

Daí o tempo passou e um dia ela disse: lembra aquele dia do Sakê? Preciso te contar! Eu odeio Sakê! Mas a noite foi memorável. E eles riram... O Sakê era o de menos. 

Daí o tempo passou, e sabe a MPB? Ela não talvez não gostasse tanto assim... Daí o tempo passou e ela talvez não quisesse realmente viajar para lugares pouco usuais... Aliás, talvez ela nem quisesse viajar. 

Daí o tempo passou, e talvez ela preferisse reclamar do trabalho a beber vinho e planejar viagens... 

Daí o tempo passou, e tudo virou Sakê. E ele percebeu, então, que amou uma ilusão. Ele gostava de Sakê! Só que ela, não. E a vida continua, mas de vez em quando ele lembra daquele vestido preto de bolinhas brancas meio anos 60 e sente uma pontadinha fina lá no fundo do peito...

E nessa hora, apesar de ainda gostar de Chico Buarque, ele vai de Fagner e Cecília Meireles mesmo: "quando penso em você / fecho os olhos de saudade...".  

- Caramba! E agora?

-Ah... Agora, bola pra frente. Com tanta gente no mundo, deve ter alguém por aí que goste de Sakê, né?

sábado, 2 de maio de 2015

Diálogo Insólito

- Você é genial. Eu sei identificar pessoas geniais, sou psicóloga.

- Você está falando comigo há meia hora, moça. Não tem como saber se sou gênio ou uma mula.

- Já falei, sou psicóloga. Só precisei de cinco minutos para saber que você é geninho..

- Se eu fosse genial, com essa idade minha aqui, eu já seria um líder famoso, um mega empresário do vale do silício, um escritor conhecido, um professor renomado... Qualquer coisa de brilhante. No entanto, cá estou eu. Sou só mais um, no meio de tantos. Sou medíocre, não sou genial.

- Sabe por que não? Porque é diferente. De fato, você está no meio de um monte de outros semelhantes. Mas, diferentemente deles, você não fez o menor esforço para estar aqui. É simplesmente natural... Outras pessoas varam noites estudando, quebram a cabeça para resolver pepinos que pra você são banais, leem cinquenta vezes aquele texto que você bate olho e já entende tudo. Você poderia ser famoso e renomado se tivesse se esforçado no mesmo tanto que esses todos outros se esforçaram para serem medíocres como você diz...

- É. De fato, a mediocridade é opcional. Eu sempre soube disso...

- Pois é.

- Pois é... Então sou um gênio, mas vagabundo

- Fiquemos com a parte do gênio, gênio...

terça-feira, 21 de abril de 2015

O Espelho

Eu grito. Derramo meu grito seco e abafado por entre as frestas que se abrem no destino. Eu tento me resignar, ao menos por fora, mas por dentro eu me contorço.

Eu ando em círculos, e fico tonto. Eu busco o sentido de uma vida que se desdobra em um mundo sem sentido. Eu retribuo com meu sorriso amarelo os afagos da hipocrisia moderna. Eu resisto. Sou, acima de tudo, um bravo resistente. Faço de conta que não me incomoda e vou tocando o bonde, como quem caminha em direção ao abismo mas faz questão de sorrir.

Aquele poema dizendo que "a vida me foi sempre dúplice, angulosa, é cordial quando nega e escassa quando dá" nunca caiu tão perfeitamente como agora. Porque os anos passam e essa sensação de quase-vida é a mesma... Um misto de determinação capenga com resignação por preguiça. Não cerro os punhos para a vida real, mas a vida real é quem cerra os seus e me acerta em cheio na boca do estômago.

Sou um emaranhado de retalhos do que fui misturado a uma confusão de cacos do que queria ser. Sou isso, sou essa coisa disforme e semovente, cujos sonhos fazem questão de naufragar - um a um - só para esfregar na minha cara que isso não é para mim, é só para os outros.

Sinto falta não só do frio na barriga, mas do horizonte. Dos planos que se encaixam, dos anseios e das angústias. Nem isso mais a vida me dá... Mas eu vou levando... Caminhando... "melancólico e vertical", por pirraça ou curiosidade - onde mais isso vai dar?