segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Ansiedade


Existem zonas cinzentas na nossa vida. Tipo zonas de amortecimento que separam uma fase da outra. E quando estamos nessa zona de amortecimento, prestes a mudar de uma fase pra outra, surge aquela coisa féladaputa chamada ansiedade.

Ansiedade que corrói por dentro, que tira o sono e o foco. Ansiedade que faz com que a gente tenha um mórbido desejo latente de entrar em coma por 2 ou 3 meses, só pra não ver o tempo passar. Vontade de dormir em setembro e acordar em janeiro. Essa ansiedade de quem espera a vez na fila, que vai aumentando exponencialmente a cada nova pessoa que é chamada, a cada passo vagaroso que a fila dá. E sempre surge aquele medo "mas vai dar tempo? E se chegar na minha vez e o guichê fechar? Ou se faltar tinta na impressora? Ou se a pessoa que está atendendo infartar?".

Já li em algum canto que ansiedade é excesso de futuro, ao passo que depressão é excesso de passado. Nada mais acertado. Ansiedade é não conseguir viver a porra do presente, porque tudo o que você quer está logo ali, logo mais, no futuro. Só que a ansiedade não bate forte no primeiro ano da faculdade de direito. Ela arrebenta é no último semestre... A ansiedade só surge na boca do gol, ansiedade pelo futuro próximo, pelo desejo na iminência de ser saciado. Loucura isso!

Respira fundo, e pula. Fecha os olhos e vai! Se joga, se atira no nada, na amplidão do futuro, sem medo. Domar a ansiedade da queda e seguir tranquilo durante o voo. "Arranca, vida / Estufa, veia / E pulsa, pulsa, pulsa, / Pulsa, pulsa mais..." É isso!

domingo, 18 de agosto de 2013

Um conto: retalhos de MPB

Eis aqui tudo de novo, a mesma grande saudade, a mesma grande vontade. Ponho o meu sapato novo e vou passear, sozinho, como der. Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade. Se você quer me seguir, não é seguro. Hoje eu quero sair só. Chego a mudar de calçada quando aparece uma flor. Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar.

Preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar. Se alguém por mim perguntar, diz que fui por aí levando o violão debaixo do braço. Eu já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada. Seu segredos, eu sei de cor. Pois é, então. Você não compreendeu que o ciúme é um mal de raiz, e que ter medo de amar não faz ninguém feliz.

Tenho um peito de lata e um nó de gravata no coração.Tenho uma vida sensata, sem emoção. Não me venha falar na malícia de toda mulher, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Basta de clamares inocência,eu sei todo o mal que a mim você fez. 

Você desconhece consciência, só deseja o mal a quem o bem te fez.Ah, eu quero te dizer que o instante de te ver, custou tanto penar. Eu quero te contar das chuvas que apanhei,das noites que varei no escuro a te buscar.

Valei-me, deus! Você sabe o que é ter um amor, meu senhor? Ter loucura por uma mulher? Queixo-me às rosas: há pessoas de nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração.Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar.O resto é mar, é tudo que não sei contar, são coisas lindas que eu tenho pra lhe dar. Vou seguir os conselhos de amigos, e garanto que não beberei nunca mais. E com o tempo esse imenso vazio que sindo, se esvai. 

E se, de repente a gente não sentisse a dor que a gente finge e sente? E quando de repente atravessando a mesma rua engarrafada, em cada luz de mercúrio vejo a luz do teu olhar. Passas praças, viadutos nem te lembras de voltar... E quando a gente descobrir que as coisas não são mais como propunha o passado pro futuro, quem havia de dizer?

Se fosse resolver, iria te dizer: foi minha agonia.Pobre de mim, sonhar contigo, jamais. Ah, se eu pudesse, não caía na tua conversa mole outra vez, não dava mole à tua pessoa.

Ai, a lua que no céu surgiu não é a mesma que te viu. A insensatez que você fez, mulher sem razão! Eu conheço o medo de ir embora, não saber o que fazer com a mão. E eu sinto assim todo o meu peito se apertar, por que parece que acontece de repente, como um desejo de eu viver sem me notar.

Adeus, você. Eu hoje vou pro lado de lá. Num trem para a estrelas, depois dos navios negreiros, outras correntezas. Eu queria ver no escuro do mundo. Será que você ainda pensa em mim? A Luz negra de um destino cruel ilumina um teatro sem cor onde eu tô representando o papel de palhaço do amor.

É, meu amigo, só resta uma certeza, é preciso acabar com essa tristeza, é preciso inventar de novo o amor.É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe. Mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, senão, não se faz um samba não.


*Referência Bibliográfica (atendendo a pedidos):
Tudo de novo - Caetano Veloso
Sapato Novo - Los Hermanos 
Trocando em Miúdos - Chico Buarque 
Hoje eu quero sair só - Lenine 
Samba do Grande amor - Chico Buarque 
Travessia - Milton Nascimento 
Preciso me encontrar - Candeia 
Diz que fui por aí - Nara Leão 
Retrato em Branco e Preto - Chico Buarque 
Medo de amar - Vinicius de Morais 
Cara a Cara - Chico Buarque 
Dom de Iludir - Caetano Veloso 
Basta de clamares inocência - Cartola Sem 
Fantasia - Chico Buarque 
Flor de Lis - Djavan 
Nervos de aço - Jamelão 
As rosas não falam - Cartola 
Foi um rio que passou  - Paulinho da Viola 
Wave - Tom Jobim 
Peito Vazio - Cartola 
Fantasia - Chico Buarque 
Quem havia de dizer - Oswaldo Montenegro
Paralelas - Belchior 
Agonia - Oswaldo Montenegro 
Se eu soubesse - Chico Buarque
Serenata do adeus - Vinicius de Morais 
Insensatez - Tom Jobim 
Mulher sem razão - Cazuza 
Estrada nova - Oswaldo Montenegro 
Gente Humilde - Chico Buarque 
Adeus, você - Los Hermanos 
Um trem para as estrelas - Cazuza 
Quase um segundo - Cazuza
Luz Negra - Cazuza 
Carta ao Tom 74 - Vinicius de Morais 
Samba da bênção - Vinicius de Morais

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Para a Eternidade


Mal saíra do hospital e já estava novamente no bar.
“Se continuar vivendo assim, vai morrer” lhe disse o médico enquanto a porta fechava e ele acendia uma cigarro.

“Você também, doutor, vai morrer se continuar vivendo” disse ele guardando o isqueiro no bolso.

“Não foi iss…”A porta fechou-se e ele não ouvia mais nada.

O calor estava insuportável. Já não aguentava mais esse calor. Sua camisa branca já mostrava as marcas de suor na região da barriga e costas, sua fronte escorria, enchendo as sobrancelhas daquela água salgada e etílica que emanava do seu corpo. Dava para sentir o gosto do whisky da noite anterior. O gosto de whisky, o gosto de buceta e aquele gosto amargo.

Ele – esse cidadão sem nome – comprou uma garrafa de vinho barato, daquele vinho que foi proíbido de vender na cidade, e sentou-se na Avenida Paulista para olhar o gado e imaginar os fazendeiros.

Quando foi? Quando foi que eles conseguiram enganar a todos? Ou pelo menos quase todos. Quando foi que escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore virou verdade nacional – ou seria internacional? Quando foi que colocaram na nossa cabeça que temos que morrer o mais velho possível, o mais tarde possível, mesmo que isso envolva noites de desespero familiar numa cama de hospital, com um corpo estragado por tubos e medicamentos. O cérebro ainda funciona e ele fala – me mate – mas ninguém ouve.

Ninguém.
Ouve.


Levantou-se. Cansou de observar quando as lágrimas começaram a escorrer-lhe da face. Vivia num mundo que não lhe fazia sentido e cada vez mais seu coração ficava apertado pela ausência de profundidade, de verdade, de realidade desse mundo. Foi por causa dessa ausência que ele sempre preferiu aquilo que não fazia parte.

Ele não fazia parte.

As prostitutas da baixa classe sabem o que é a vida mais do que as vagabundas da televisão. Os bêbados do centro da cidade sabem mais desse mundo do que aqueles alcóolatras engravatados que se formaram em Harvard. Os viciados em crack da Luz são mais honestos do que aqueles que tomam remédios para curar a tristeza.

“VIVA A SUA TRISTEZA!” ele gritou defronte uma farmácia.

Sabia que sua vida não duraria muito, mas isso não lhe importava. Preferia a morte de indignação aos 30 anos do que a morte de servidão aos 85. A cada queimação no estômago, a cada aperto no peito, a cada catarro mais escuro ele sentia o toque da tão esperada amiga.

“O que tem do outro lado?” ele perguntara para a vagabunda mais suja que já havia transado sem camisinha.

“alguma coisa melhor que aqui” respondeu-lhe depois do pico de heroína.

Os anos foram se passando na vida desse cidadão sem nome. Ele continou comendo suas comidas gordurosas, continuou sem fazer exercícios e comendo vagabundas sujas sem proteção. Continuou fumando seu maço de cigarro por dia e bebendo suas três garrafas de whisky por semana. Whisky barato, no seu quarto barato, da sua casa barata.

As baratas continuavam rodando o local trazendo mais alegria para ele do que toda a humanidade, com exceção de algumas pessoas. Algumas poucas pessoas que o os anos lhe roubara.

Os anos se passaram e, mesmo que ele tentasse diariamente, sua amiga não vinha lhe visitar.

“Acho que a morte esqueceu de mim”dizia ele para os bêbados do centro da cidade. Para aqueles mesmos bêbados de 100 anos atrás que ainda esforçavam-se para serem diferentes.
Aqueles bêbados que já foram artistas, atores, autônomos, autistas.

Agora nada restava para aqueles bêbados, a não ser a certeza da loucura que eles nunca quiseram tratar com escolas e universidades e chefes e certezas.

“Quando abre-se mão de tudo, até da morte você escapa.” Ele pensou antes de pular da ponte e sair nadando rio abaixo.