Maio lhe abraçou. Talvez você tivesse, lá no fundo, uma
certa esperança de que setembro chegaria. Outro ciclo, outro aniversário.
Talvez estivesse ali, por debaixo daquele corpo inerte que respirava e entendia
o mundo sem poder se manifestar... Talvez ali você dissesse para si mesma:
setembro vai chegar. Talvez ainda sonhasse com algum presente, será?
Ou talvez só estivesse esperando que aquele sofrimento
chegasse ao fim. E chegou, junto com a vida. Maio lhe abraçou, forte, e levou
pelos braços quem tantas vezes passou por ele correndo e feliz, saltitando de emoção
enquanto setembro ia se aproximando.
E o alívio de ver pela última vez aquele rosto não franzido
de agonia, mas sereno adormecido, surgiu em mim quase como culpa. Quase senti
repulsa por me sentir aliviado com a morte. Mas não era descabido esse
alívio, era justo. Era misericordioso...
O baque seco da primeira pá de terra sobre a madeira me fez
entender pela primeira vez: era o fim. Aquele rosto agora estará apenas na
lembrança... Nos sonhos e nas fotografias amareladas. Você se foi, com toda a
sua candura, e todos aqueles anos sofridos carregados nas costas.
Nessas horas eu queria acreditar em deus. Achar que tudo faz
sentido, e que tanto sofrimento em terra seria compensado pela alegria eterna
no paraíso. Mas a única coisa que posso tirar disso tudo é: a vida acaba. É
preciso vivê-la intensamente, em cada segundo, pois mais dia menos dia, vem um
maio - ou setembro, ou dezembro - e nos abraça forte... Fecharemos os olhos e não
ouviremos o baque seco da terra sobre a madeira que está acima de nós. Nem o
choro dos que ficam, nem o riso dos que críamos que iriam nos receber.