terça-feira, 9 de julho de 2013

Refluxo de lirismo

"Eu só preciso sonhar... Eu só preciso sonhar..."

Ele balbuciava essas palavras como um mantra enquanto forçava mais uma dose de cachaça goela abaixo. Chegou no limite. Uma hora isso ia acontecer, e aconteceu: o corpo reclamava, declinava, refugava. O estômago travava antes de a cabeça levantar vôo. Era desesperador, ele simplesmente não conseguia mais ficar bêbado. E com isso, foi-se o último refúgio, a última esperança. Aquele último abrigo pra onde ele corria e se escondia da dor já não existia mais.

Não poder fugir da realidade era cruel. Porque a realidade dele era cruel. Era amarga.

Conheceram-se havia dez anos. Exatos dez anos... Viveram juntos - intrinsecamente juntos - por sete anos, sendo cinco deles sob o mesmo teto. Foi de repente, depois de um final de semana corriqueiro na casa dos pais, que ela se virou e disse: é o fim. Assim, seco, direto, como murro certeiro na boca do estômago. 

Pior... Foi como murro que sai do além, que surge do nada, sem corpo por detrás, sem uma cara, sem uma briga, sem uma voz exasperada que o anuncie em insultos e palavrões, nada! Simplesmente atinge em cheio o estômago, e espalha a dor lancinante junto com a impotência da falta de ar.

Era esse o seu maior desgosto. Relacionamentos acabam, têm começo-meio-e-fim, ele sempre soube  e entendia bem. Mas tudo que acaba anuncia o seu fim... Como a garrafa que vai ficando mais leve, ou o copo que vai ficando mais quente... O fim sempre anuncia sua iminência, de forma que podemos tentar evitá-lo, ou ao menos nos prepararmos para sua chegada.

Com ela não foi assim. Foi súbito. Foi o beijo apaixonado na rodoviária e, setenta e duas horas depois, malditas setenta e duas horas depois, o fim. Repentino, decidido, curto e grosso. E então ela partiu sem olhar pra trás. E de repente, tornou-se rude. E ele, tornou-se um estranho em sua vida. Ela ficou ríspida, como se a existência dele a ofendesse. Como pode ser possível? Como um ser humano é capaz de sentir tamanha paixão e, de repente, extirpar de si aquele amor como se fosse um câncer?  Por que não avisou? Por que não disse que pra ela tudo andava mal? Por que o fez crer que caminhava nas nuvens enquanto na verdade caminhava em direção ao abismo? Por que diabos ela tentara salvar o relacionamento de forma unilateral, sem compartilhar com ele as angústias e tormentos?

Ainda que tivesse acabado... Não poderia ser mais humano? Não poderia o fim ter sido precedido de uma crise? De uma briga? Uma bronca? Um questionamento insatisfeito???? 

Ele não a culpava pelo fim - claro que todos têm o direito de querê-lo. Ele a culpava pela forma como ela o atropelara e saia cantando pneus, sem nem olhar pra trás.

Não teria saudade? Nenhuma pontinha? De nada? Nem do bife de chorizo, ou do vinho que tomavam juntos? Das tardes, dos filmes, dos planos... Não sentiu falta de nada? De nem um ponto e vírgula desse conto mal escrito que virou o relacionamento deles?

Eram muitas perguntas para pouquíssimas respostas. Ele fechou os olhos marejados, e pediu mais uma dose.

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